Amor até as cinzas
Qiao está apaixonada por Bin, um mafioso local. Durante uma disputa entre gangues rivais, ela dispara uma arma para protegê-lo. Qiao fica cinco anos na prisão por esse ato de lealdade. Após sair da cadeia, ela procura por Bin para continuarem sua história de onde pararam. – Amor até as cinzas [2018]
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O diretor Jia Zhangke, nascido na China na década de 70, tem acompanhando ao longo de sua carreira as inúmeras mudanças sociais e econômicas pelas quais seu país tem passado. Isso se reflete em sua obra, cuja temática recorrente apresenta a transformação inexorável por que passa sua terra natal e o inevitável choque entre o passado e presente.
Em seu mais novo filme, Amor até as Cinzas, observamos ao longo de quase duas décadas o embate entre realidades divergentes e o conflito de gerações, mas desta vez sob o olhar de um casal cuja vida está imersa na Jianghu, o submundo do crime, com seus rituais, regras e particularidades correndo à margem da sociedade.
Nas palavras do próprio diretor durante uma entrevista no Festival de Cannes, “A Jianghu é uma subcultura que desafia o ‘mainstream’ no meu país. E hoje se transformou em algo que pouco tem a ver com o passado. É a alegoria perfeita para se falar de certa perda da memória coletiva na China”.
A trama tem seu início em 2001, onde um pequeno mafioso de nome Bin exerce seu poder e influência ao lado de sua namorada, Qiao, uma mulher cuja determinação e lealdade são tão grandes quanto sua devoção por Bin.
Esta devoção é posta a prova quando, em um ataque de gangues rivais, Qiao é obrigada a agir para defender seu amado, disparando uma arma para conter os agressores. Como consequência ela é presa ao assumir a propriedade da pistola e acaba por ficar cinco anos encarcerada.
Depois de cumprir sua pena, ela começa uma jornada em busca de Bin, que ao longo de todos esses anos não deu nenhuma notícia sequer. Em sua busca ela terá de enfrentar a rejeição e as armadilhas de um mundo que já não apresenta a familiaridade de outrora, que ao se modernizar e se abrir para o ocidente trouxe o distanciamento e a quebra de certas relações humanas além de relativizar conceitos como respeito, lealdade e gratidão.
É em meio a estas agruras que a personagem tem de se desafiar e criar forças para seguir em frente, buscando se apoiar nos ensinamentos de sua época de marginalidade. Mas isso talvez não seja o bastante quando tudo à sua volta parece estar diferente. Confrontada com esse sentimento de não pertencimento, até que ponto é possível se reinventar?
Com uma bela fotografia e explorando várias regiões da China, o diretor usa a grandiosidade de certos cenários e o deslocamento entre localidades como metáfora para a expansão dos horizontes de sua protagonista.
Os personagens são ricos em suas representações e o ritmo do filme, apesar de lento, apresenta uma cadência que casa perfeitamente com a proposta do roteiro. Destaque para Zhao Tao, esposa e musa de longa data do diretor que dá vida à Qiao.
O arco final do filme se passa em 2017 e podemos perceber que depois de todo o amargor, orgulho e sofrimento, certas coisas não mudaram, certos compromissos não puderam ser esquecidos, certas relações ainda perduram. Mas, até quando?
Trailer
Ficha técnica
- 江湖儿女 : Jiang hu er nü
- Título Literal : “Crianças da Jianghu”
- Título Internacional: Ash is Purest White
- Direção : Jia Zhangke
- Info: China 2018 Cor – 137 min
- IMDb: www.imdb.com/title/tt7298400/